Qual a dimensão do problema da habitação no Brasil?
Em levantamento feito pela Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) em parceria com a FGV (Fundação Getúlio Vargas) em 2017, o déficit habitacional no Brasil era de 7,8 milhões de moradias. Esse número é um recorde histórico no Brasil e inclui também necessidade de novos lares para famílias que vivem em favelas, cortiços e moradias insalubres. O déficit vem aumentando nos últimos anos e, caso não haja mudanças, deve aumentar mais nos próximos.
Qual a implicação disso? Formação de novas favelas e aumento das existentes, mais famílias em situação precária de moradia, mais pessoas vivendo em áreas de risco e aumento no número de moradores de rua… Em resumo, uma bola de neve de problemas sociais que tende a ficar cada vez maior.
O problema é conhecido por todos, em especial por quem é responsável pela pasta da habitação no Governo Federal. Então o problema não está no desconhecimento, e sim na forma de tratá-lo e apresentar soluções.
Explico.
Para entender o ponto de vista que vou apresentar aqui, primeiro precisamos entender a diferença do chef de cozinha para o cozinheiro. Não trabalho ou sou especialista na área de restaurantes, mas vendo como um observador externo, imagino o seguinte: o chef eventualmente testa combinações de ingredientes diferentes para conseguir fazer um bom prato, criando, dessa maneira, novas receitas. De forma mais ampla, ele conhece os fatores principais (os ingredientes nesse exemplo) e tenta trabalhá-los de forma a chegar em uma conclusão (o prato).
Seguindo a analogia, o cozinheiro trabalha de forma diferente do chef: ele utiliza as receitas consolidadas, copiando-as, e eventualmente coloca um pouco do seu tempero, do seu estilo na receita. O cozinheiro utiliza de experiências passadas de chefs nos quais ele se espelha ou aos quais é subordinado, para conseguir produzir pratos que serão bem aceitos. Entretanto, esses pratos são apenas cópias, não muito diferentes dos originais.
Novamente, minha área não é a de culinária, e não sei se é exatamente assim que funciona na prática, apesar de já ter trabalhado como ajudante de cozinheiro em um intercâmbio que fiz na época de faculdade.
Trouxe a analogia para demonstrar a linha de raciocínio para os programas de habitação.
Da mesma forma que o cozinheiro faz, copiando receitas de sucesso de alguns chefs, as políticas habitacionais normalmente buscam modelos de sucesso de outros países (em especial países de primeiro mundo).
Mas se funciona na área tecnológica, na indústria de bens de consumo, na indústria alimentícia e em tantos outros segmentos, por que não funcionaria na habitação?
Por alguns motivos, e o principal é: o mercado imobiliário é regional. Construtoras, incorporadoras, imobiliárias e demais envolvidos nesse segmento, sabem bem disso. O que funciona para uma cidade ou região, pode não funcionar para outras regiões. Indo mais longe, o que funciona para um país, provavelmente não funcionará para outro.
Outro ponto importante é entender que, em diversos países (inclusive de primeiro mundo), a questão habitacional é hoje um grande problema. Seguir os passos desses países, que ainda não se resolveram, não sanará o problema habitacional no Brasil.
Diversas cidades hoje pelo mundo sofrem com o problema de moradia chamado de “cost-burdened”, quando o gasto com moradia é superior a 30% da renda familiar. Em algumas cidades e metrópoles, mais de metade das famílias passam atualmente por esse problema. Quando a renda familiar é comprometida, em boa parte pela moradia, a família fica mais exposta a crises e oscilações, e, por diversas vezes, acaba por ficar em situação de rua ou exposta a moradias insalubres.
Para resolver, ou ao menos mitigar, o problema da habitação, vemos hoje iniciativas diversas e bem plurais pelo mundo.
Berlim, na Alemanha, por exemplo, decretou o congelamento de preço nos aluguéis pelos próximos 5 anos, impedindo os proprietários de reajustarem os valores de aluguel ou despejarem inquilinos por esse motivo. A intenção é boa: tranquilizar as famílias que sofrem com “cost-burdened” para que nos próximos 5 anos sobre dinheiro do orçamento familiar para investir em educação e melhoria de vida, e também evitar que diversas pessoas e famílias sejam despejadas.
Pode ser que funcione na Alemanha, mas esse decreto funcionaria no Brasil? Tivemos uma experiência similar em 1942, quando Getúlio Vargas decretou o congelamento dos preços dos aluguéis por 2 anos. O que aconteceu? Houve menos oferta de moradias, pois deixou de ser convidativo investir nesse segmento, ocasionando a falta de opções. A falta de opção de moradias contribuiu para o surgimento das primeiras favelas no Rio de Janeiro e em São Paulo ainda nessa época.
Nos Estados Unidos da América o problema habitacional também é destaque, sendo apresentado inclusive constantemente em debates e planos de governo dos presidenciáveis. Hoje, na maior parte do país, 7 em cada 10 famílias não tem salário o suficiente para financiar um imóvel para moradia. Em algumas cidades, boa parte da população não tem salário nem sequer para alugar um imóvel, como é o caso de São Francisco e do Vale do Silício na California, em que grandes empresas de tecnologia estão sediadas.
Nessa região, o aumento de pessoas em situação de rua vem aumentando de forma expressiva e, para tentar ajudar na mitigação do problema, o Facebook e outras empresas de tecnologia estão investindo milhões de dólares em construção de casas populares, visando maior oferta de imóveis na região para que mais pessoas tenham acesso à moradia.